sábado, 8 de janeiro de 2011

Infidelidade

Texto baseado no conto “A Cartomante” de Machado de Assis

Infidelidade
Luciane Rech

“Para um amante, acabaram-se os amigos.” Foi lendo esse dito de Stendhal em um livro de literatura dos muitos que agora lê é que Frederico recordou – sentado solitariamente no pátio – a causa de estar agora com a vida limitada àquele ambiente penitenciário.
            A infância tinha lhe sido muito prazerosa. Dividia muitas horas do dia com Hilberto em brincadeiras de jogar taco, futebol e explorações pelos arredores da pequena cidade de colonização alemã onde moravam. Até os cultos de domingo eram momentos em que os dois encontravam motivos para se divertirem. Com o passar dos anos Frederico e Hilberto vieram a afastarem-se. Filho de família rica, Frederico vai seguir seus estudos em uma Universidade de região, enquanto Hilberto permanece na cidadezinha natal trabalhando no comércio e conservando, mesmo a distância, a amizade com Frederico que, para complementar seus estudos e usufruindo da dupla nacionalidade – brasileiro/alemão – escolheu Munique para o intercâmbio. Foram vários anos de ausência. Hilberto nunca se casou. Com fama de conquistador, nunca chegou manter um relacionamento sério.
            A ironia do destino veio, de maneira inesperada, voltar a unir os dois amigos. Hilberto recebe um e-mail de Frederico anunciando que em três semanas estaria chegando. A felicidade em reencontrar o amigo depois de tantos anos deixou Hilberto eufórico. Todos da pequena cidade estavam à espera da visita do filho ilustre, pois Frederico tornara-se um médico conceituado e reconhecido internacionalmente, porém sempre que podia anunciava a origem enraizada na pequena cidade brasileira de Agudo.
            O grande dia finalmente chegou. As ruas normalmente calmas e pacatas estavam apinhadas de pedestres. Em cada esquina o assunto era o mesmo: que horas chega? Será que vai lembrar-se de nós? Será que está muito diferente? Vem para ficar? O povo comentava. Como de praxe, uma carreata é organizada para recepcionar Frederico no pórtico da cidade e assim conduzi-lo até o Pavilhão Evangélico onde uma enorme festa foi organizada – com direito a animação musical ao vivo de um conjunto local.
            Hilberto, por trabalhar até mais tarde e não possuir carro, não foi à carreata e vem a encontrar Frederico na festa. Quando adentra no local logo vislumbra o amigo, porém seus olhos correm incontrolavelmente para a bela mulher ao seu lado. Frederico e Hilberto cumprimentam-se euforicamente. Passado o primeiro instante, a bela mulher é apresentada como sendo Wanda, esposa de Frederico. Até então Hilberto não sabia do matrimônio do amigo, aliás, fato esse surpresa para todos da cidade, inclusive para a família de Frederico.
            O encantamento de Hilberto por Wanda parece ter encontrado nela a mesma receptividade e durante toda a noite trocaram olhares mais que furtivos... Frederico nada percebe, está ocupado demais em relatar a todos sua vida a Alemanha. No decorrer da noite anuncia que vai estabelecer-se por quatro anos na cidade, pois vai implantar junto à Universidade de Santa Maria um novo trabalho de atendimento às pessoas com sequelas produzidas pelo uso de agrotóxicos na agricultura.
            Com o passar do tempo Wanda e Hilberto tornam-se mais do que bons amigos. Aproveitando as ausências constantes de Frederico em função de seu trabalho na cidade vizinha, os dois usufruem de muitos momentos de paixão. Não contavam, porém com o fato de que em cidade pequena todos falam, todos veem, todos sabem... e não demorou muito para os burburinhos começarem.
            Hilberto, Wanda e Frederico começam a receber telefonemas anônimos, bilhetes e olhares de desaprovação em momentos distintos. Mesmo com a ameaça de serem descobertos e delatados Wanda e Hilberto não conseguem se afastar. Buscam mais discrição nos encontros. Num deles Wanda diz estar com medo e Hilberto, munido de toda sua singeleza e por que não ignorância, recomenda a ela visitar uma vidente famosa – Dona Maria – que atende próximo ao local onde ele trabalha e que possui muitos clientes, portanto deve ser boa adivinhadora e poderá ajudá-los. Mesmo sem acreditar muito em crendices, mas com a consciência pesada pelas atitudes dos últimos meses e cega pela paixão, Wanda vai ao encontro da vidente.
            À noite, quando encontra com Hilberto, está mais calma. Diz que a vidente havia anunciado que ambos teriam um futuro muito bom e que o amor venceria. Assim seguem-se os dias na pequena cidade. Todos falam, todos veem, todos sabem... inclusive Frederico!
            Era o final do expediente de sexta-feira. Hilberto louco para sair daquele supermercado, tomar um banho e encontrar Wanda! Frederico não viria para casa naquele dia, pois teria um jantar em Santa Maria. Tudo estava indo bem, maravilhosamente bem! Hilberto sente que o celular no bolso do uniforme vibra. É uma mensagem. Deve ser de Wanda! Surpresa! Era de Frederico e o texto assim: Hje, 9h em minha ksa. Ñ falte. O que teria acontecido? Por que Frederico viria para casa? Teria descoberto tudo? Mas Wanda nem ligou...?
            A sirene da firma toca. Hora de ir embora. Agora já sem muita pressa, mas com grande receio. Caminhando sem olhar para nada,alheio a tudo, quando percebe Hilberto está em frente à casa de Maria, a vidente e que acaba de surgir na porta, pronta para sair, encerrando mais um dia de muitas consultas. Hilberto, num ímpeto, chama à senhora e pede que, por favor, o atenda. Tinha recebido o salário e faria o pagamento da consulta em dobro. Munida pela ganância, porém louca para encerrar as atividades do dia, a vidente o atende com impaciência. Logo anuncia que ninguém sabe do que está acontecendo e que tudo não passa de especulações, de fofocas.
            Agora mais seguro e não menos ansioso para ver Wanda, mesmo que seja na presença de Frederico, Hilberto banha-se e usa a camisa e relógio novos dados por Wanda por ocasião do Natal. Chegando à casa de Frederico, percebe que este se encontra à soleira da porta, cabisbaixo. Cumprimenta o amigo e ambos adentram a sala, agora na penumbra. Mesmo assim Hilberto vê uma cena dantesca: Wanda está caída em frente ao sofá e uma mancha vermelha sobressai-se no tapete creme. Sem tempo de articular uma única palavra, sente uma lâmina fria e pungente penetrar-lhe na altura da cintura. Sente que sua vida começa a esvair-se pelo mesmo local em que a lâmina entrara e o tempo que lhe resta de vida usa para olhar, pela última vez, os olhos azuis de seu melhor amigo de infância num suplício de perdão e arrependimento...

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